A TÉCNICA MEISNER
O eu idealizado:, o grande, o magnânimo , a superestrutura chamada “Eu idealizado”. Obviamente temos que começar na raiz onde ele nasceu , então de novo relembremos que a criança é completamente apaixonada pelos pais; paixão mesmo. Eles são tudo para a criança, existe uma grande paixão e existe uma questão de sobrevivência. Isso está nas tripas, dentro de nós.
Sem os cuidados dos pais , o bêbê morre. Então no fundo ele sabe que depende deles para sobreviver. Os pais são tudo. E toda criança, quando vai crescendo, se desenvolvendo, é doutrinada para ser perfeita, para ser um ideal; toda vez que ela é o centro da atenção, que as pessoas gostam dela, os pais gostam, ficam orgulhosos. Isso está em todo lugar. Das maneiras mais sutis até aqueles pais que dizem: “ não, aos meus filhos eu dou liberdade total” (que também estão tentando dizer que seu filho é perfeito). Claro que existem níveis e níveis.
Mas todos os pais, porque não estão iluminados, portanto tendo seus Eus idealizados e portanto tendo um núcleo dentro que quer ser perfeito, transmitem isso para a criança. Então toda vez que ela brilha, toda vez que ela está bonita, que faz alguma coisa legal, os pais de alguma forma ficam satisfeitos. E quando a criança erra, o que é que vai acontecer? Ou ela vai decepcionar o pai e a mãe e vai perceber, ou na verdade eles batem nela, ou vão punir, ou retiram o amor; aquilo, para ela é a morte, é uma coisa horrorosa, um aniquilamento. “Esses, que são tudo, que é minha grande paixão, não estão satisfeitos comigo? “. “ Eu estou decepcionando eles em algum nível?” . Ou “ não estou salvando a vida dele, porque estou vendo eles infelizes ali e tudo o que quero é vê-los felizes” .
Então de repente se torna para a criança uma questão de sobrevivência ser perfeito. Ser aquilo que os pais querem. Ser “o ideal”. E com isso nasce aquele “Eu”, essa entidade dentro de nós, que aqui está sendo chamada de “ Eu idealizado” . Em algum momento a criança abre mão dela mesma e diz para o ambiente e para os pais: “ok, o que é que vocês querem que eu seja? Eu vou ser o que vocês quiserem. Me descreva. “Eu tenho que ser inteligente? Certo, eu vou fazer de tudo para ser inteligente”. “Tem que ser bom? certo, eu vou fazer de tudo para ser bom ” . De acordo com o ambiente, não tem moral: Talvez uma criança que está dentro de uma família violenta de bandidos diga: “o que vocês querem é que eu seja bem violento? Vou ser o que vocês estão querendo”. Começamos dentro de nós mesmos a notar tudo aquilo que percebemos que é ser ideal, tudo aquilo que vai fazer com que eu seja aceito por eles e o que vai fazer com que eu possa sobreviver. E lembrando, como a já estudamos no capítulo anterior, dos pais passaremos isso para o mundo, não é? Então nos tornamos, trabalhamos, noite e dia, para construir essa idealização. Por que? Porque o perfeito, o bom, etc, que foi tão elogiado pelos nossos pais e para quem estava ao redor deles (e com isso fazendo com que eles se sentissem importantes) foi associado à felicidade. E o nosso erro e, entre aspas, a nossa “maldade”, foi associado à infelicidade. Criamos um eu idealizado para fugir da infelicidade. Obviamente vamos ver, ainda dentro desse capítulo, que ele é a fonte da nossa infelicidade. Por isso que chamamos de ignorância, mas a princípio ele foi criado através disso, dessa imagem. O bom traz felicidade, a maldade traz infelicidade: então eu vou ser mais do que bom, eu vou ser o ideal. Só que se precisa entender, isso é carregado de muita energia, de muita dor, de todo um histórico; então tem entidades, tem forças, tem muita coisa construindo essa superestrutura que é o “eu idealizado”.
Então, os pais, hoje em dia, talvez não estejam mais aqui, mas não tem problema: esse “ Eu idealizado” se tornou um tirano que está com um chicote na mão pronto para me punir, muito mais que os meus pais, caso eu erre. Então ele está o tempo todo maquinando e produzindo milhares de pensamentos para que eu faça a “fala ideal”, a “movimentação ideal”, para que eu tenha a “ vida ideal”. Eu errei, eu sai, ou alguém do ambiente não aceitou? Eu me puno, me bato, fico produzindo milhares de pensamentos para tentar corrigir aquela rota de novo, e , de acordo com a estratégia de cada um, desprezar aqueles que não estão concordando. Fico magoado, vou tentar convencer, vou tentar destruir. Esse tirano é fortíssimo. Ele é duro com nós mesmos( não podemos errar ) e com tudo que está associado a nós. Passamos a ter vergonha da nossa família se ela fala alguma besteira na frente do mundo lá fora, dos nossos filhos, namorado; se fala alguma besteira, parece que somos nós mesmos que estamos fazendo a besteira. Parece que estamos passando um vexame.
Porque além de controlar a mim, o eu idealizado controla tudo que está conectado a mim, porque tudo que está conectado a mim tem que estar perfeito. Então resumindo: não relaxamos um minuto, e estamos brigando com todo mundo que está indo contra os planos do eu idealizado para que façamos “certo”. Por isso que nossa vida é um inferno e uma guerra. Eu sempre costumo dar um exemplo de alguns momentos que relaxamos. Quando vamos numa festa, num ambiente em que está todo mundo, aí a rimos, dançamos, a relaxamos, somos nós mesmos por um segundo. Aí quando vamos sair da festa parece que o eu idealizado já está segurando a bolsa na porta, esperando. Ele começa: “ será que eu exagerei? Por que é que eu dancei aquela hora? Ai, eu não devia ter falado aquilo, assim. O que é que será que aquela pessoa pensou de mim? ” . Não, “o que é que você acha?” ( Já chamamos alguém pra conversar). “você acha que eu exagerei naquela hora que eu falei aquilo? Por que será que eu fiz aquilo? Ai meu Deus, que besteira”. Nos vamos para casa e o “Eu idealizado” até já abre nosso lençol para a gente deitar na cama, nos cobre e continua: “ Por que é que eu fui fazer aquilo? Por que é que eu errei? O que é que será que o ambiente pensou de mim? ” . Ou eu estou em um grupo também , fazendo seja um abc, seja um vivencial : “ Ai, o que será que eu vou falar? O que eu devo falar? Bom,Pera lá, deixa eu tentar estruturar bem o que eu vou falar. Ih, olha lá o que é que o outro falou, nossa eu acho que o outro falou melhor que eu, nossa eu acho que o outro está se sentindo melhor do que eu. Ai, eu acho que eu não estou indo bem. Eu acho que não vai dar certo para mim”. O “Eu idealizado” está o tempo todo competindo com o ambiente, planejando o que é que vai ser dito. Ele não relaxa. É muito importante que o grupo perceba isso: nós não relaxamos. Porque estamos presos nessa armadilha ardilosa que é o “Eu idealizado” . Estamos trabalhando para poder convencer o mundo, mas, na verdade, ele está construído em cima de um ódio. De uma raiva.Porque eu não posso ser eu e porque eu não fui aceito no passado da maneira que eu estava.
Então essa angústia e esse sentimento constante de inadequação , que todo mundo tem, esse medo do fracasso, que todo mundo tem, da humilhação, isso mostra que o “Eu idealizado” está no comando. E que ele está tendo força sobre nós. Ele traz essa constante insatisfação com nós mesmos. Imagine, ele foi criado para trazer autoconfiança. “ Eu vou ser o ideal, eu vou trazer autoconfiança”. Mas ele nos põe o tempo todo inseguro, porque não é que nós não damos conta da vida, é que nos não damos conta desses autos ditames do nosso “Eu idealizado”. É muito alta a barra que ele põe para podermos alcançar. Então o tempo todo estamos inseguros. E o que é que ele fez? Ele criou um ideal , nós criamos esse ideal, e nós nos afastamos do nosso Eu verdadeiro. Então no fundo já nos desconectamos, não sabemos o que é verdade, o que é mentira; então quando estamos falando de nós mesmos, quando estamos nos expressando, nem sabemos se estão certas as coisas que estamos falando porque estamos afastados de nosso Eu verdadeiro. Existe uma mentira dentro de nós: é por isso que pensamos tanto, porque mentir dá trabalho. Mentir exige planejamento. Mentir: nós não podemos chegar lá e ser simplesmente nós mesmos, não é? Tem que ter aquela roupa, aquela postura, gostar “daquilo”, porque o “Eu idealizado” também se adapta aos ambientes. Num ambiente de amigos antigos, ele mostra “aquilo”, aquela faceta, porque aqui é ideal falar “aquilo”. No ambiente espiritual, por exemplo, eu vou ter aquele xale, vou ter aquele shiva, vou saber cantar aquele mantra, eu vou acertar dessa maneira. Aí eu estou no vivencial , o certo aqui é ser honesto, então eu vou falar tudo que eu penso... compreendem? Ele vai se desdobrando, desdobrando, desdobrando e não sabemos mais o que está acontecendo, o que sabemos é que precisamos acertar desesperadamente. E quanto maior o “Eu idealizado”, maior é a fuga e maior é a dor.
Estou tentando colocar em palavras, mas não tem palavras para descrever, porque o “Eu idealizado” está tomado; o mundo está tomado por ele. Todo mundo desesperado trabalhando para ganhar dinheiro, para ter poder, para provar. As mulheres cortando o corpo, fazendo de tudo para serem as ideais. Todo mundo desesperado para atingir esses ditames altos do “Eu idealizado”, aquele sonho de que ali vai estar a porta da felicidade. Na verdade é a da infelicidade. Obviamente muitos precisam passar para poder descobrir, então é muito importante que isso fique claro, essa tensão, constante, na nossa vida, sabendo que tem esse tirano batendo o chicote a todo o momento em cima de nós. E tem uma coisa muito bonita que é dita dentro desse ensinamento do “Eu idealizado” : acreditamos que vamos voltar para casa no dia em que morrermos e formos para o céu. Mas não é assim: o céu é viver sem o “Eu idealizado”. Esse é o céu. Chegar lá é chegar na integração do “Eu idealizado”. E de novo , (como já falamos no círculo vicioso do amor imaturo, como temos falado na compulsão de recriar e superar a ferida infantil, que são todos estratégias do ego para fugir da dor) não tem como integrar o “Eu idealizado” sem passar pela dor de não termos sido aceitos da maneira que fomos um dia. Sem passar pela raiva de não termos sido aceitos, sem passar por esses sentimentos, sem integrar tudo isso que ficou lá atrás. Se não, nós seremos esses eternos carentes, perfeccionistas, magoados, vítimas . Então temos que entrar lá dentro para que possamos ir além.